(Representação Moça sem Face)
Vinícius era soldado do Núcleo do
Parque de Aeronáutica de Belém. Brincalhão, bom camarada, era querido
por seus companheiros de farda e superiores. Contador de anedotas, onde
estivesse nos momentos de folga sempre tinha uma roda em volta.
Estudante, fizera até a 4ª série ginasial antes de ingressar na caserna.
Festeiro, frequentador das gafieiras de Belém, principalmente as do
bairro de Marco, da Pedreira e de Canudos, era tido como bom dançador de
merengue. Quantas vezes Vinícius não "pulou" serviço para "balançar o
esqueleto" num dançará suburbano! Em várias ocasiões esteve para ser
preso por tal motivo. Nunca dava alterações de outra natureza, mas se
sabia que havia um "samba", Vinícius, estivesse ou não de serviço, ia
bater lá. Fugia do quartel e ingressava triunfalmente na sede onde se
ouvia o La Bamba ou outro sucesso musical da época. Depois, era arranjar
uma "amiguinha" e pronto... veria depois.
Conhecia as histórias de aparições que se contavam do Parque, mas não
lhes dava muita importância. Pelo menos dizia. E afirmava mesmo que, se
visse alguma coisa, ia dirigir-se e pergunta:
- Que é que tu qué, meu irmão? Reza, missa, diz lá o que é. Se tu já morreste, fica pra lá. Não vem perturbar os vivos.
E, brincando sempre, levava tudo na gozação. Só que, no dia em que viu
alguma coisa, que pensou depois ser assombração, não fez nada do que
disse.
Ninguém podia duvidar que ele era corajoso. Disto já era provas em diversas ocasiões. E brigava bem.
Num dia de folga, em que os "dançarás" não funcionavam, Vinícius saiu
trocando pernas pelo bairro do Marco. Desceu a Almirante Barroso e já se
aproximando ao Largo de São Braz encontrou uma garota de branco, com o
vestido clássico de "merengueira": decotado, curto para a época em que
ainda não havia minissaia. Vinícius pensou: - Taí, vou "baixar" nesta
"miquimba".
E dirigiu-se à moça.
- Que é que há, minha filha? Noite tá fria, boa pra fazer neném, hein?
Vinícius era assim. Nada de meias palavras. Era objetivo, direto, "entrava forte" mesmo.
A moça permaneceu como estava. Respondeu ao cumprimento e foi o bastante
para o soldado colocar o braço pela suas costas. Conversa vai, conversa
vem, Vinícius falando sempre, e a moça respondendo mais por
monossílabos.
Saíram andando em direção a Canudos, pois ela havia dito que morava
"para lá" indicando com o braço a entrada daquele bairro. O soldado
tentara beijá-la várias vezes, e a moça sempre virava para o lado, de
modo que Vinícius praticamente não pôde ver-lhe o rosto.
- Mas tu é metida a virgem, hein! E dizendo isto Vinícius tirou o braço
das costas da moça, segurando-lhe a mão. Ao primeiro contado, Vinícius
sentiu-se arrepiar: a mão da moça parecia gelo. Mas procurou raciocinar.
Ora, a noite estava fria.
Naturalmente era por esta razão. Mesmo assim Vinícius começou a arrepender-se de ter "baixado" naquela "miquimba".
Continuaram andando Canudos adentro, na direção do Bairro de Santa Izabel. Vinícius falou:
- Mas tu mora longe, menina. Puxa vida! Depois de uma caminhada dessas,
se tem de descançar. Porque, do contrário, o neném que a gente vai fazer
já vai nascer cansado!
- Já estamos perto de onde moro. É logo ali.
Ao chegarem a uma esquina, a jovem parou.
- Rapaz, tu és muito corajoso! Gostei de ti, sabes? Mas é melhor que te vás embora. Não quero que te aconteça nada de mal.
Vinícius ficou admirado do rumo das coisas. A moça continuava de lado, sem virar-se de frente.
- Mas que é que me pode acontecer de mal? Tu é amigada? Ou é de teu
"xodó" que tás com medo? De qualquer forma, se tu quisé ir comigo, é só
dizer que vou. Ninguém é mais homem do que eu. Logo, digo pra ele que tu
quiseste vir e pronto! E se ele quisé se balançar, não te incomoda que
não vou apanhar, não.
- Não é nada disso. Não tenho "xodó", nem ninguém. Apenas deves ir
embora. Eu te admirei muito e por isto estou sendo tua amiga. Eu não
posso ir contigo, nem tu deves ir onde moro.
Estou falando para teu bem. Adeus.
Ante ao desfecho inesperado, Vinícius titubeou um momento. Em seguida,
segurou a moça violentamente pelo braço, puxou-a, colocando-a a sua
frente, enquanto falava:
- Tu não vais me...
As palavras morreram em sua boca. Ia dizer: - Tu não vais me fazer de
besta, não! Mas o que viu deixou-o paralisado. Quando terminou o
movimento e ela ficou de frente, olhou para o seu rosto, procurando-lhe
os olhos e então viu que sua face era alguma coisa informe, ou melhor,
era como se ela não a tivesse.
Aterrorizado, Vinícius recuou. A moça calmamente virou de costas, começou a andar, dizendo:
- Eu te avisei...
E dobrou a esquina.
Vinícius estava apavorado. Contudo, refletiu um momento e, sendo corajoso, rapidamente seguiu-a.
Para surpresa de Vinícius, não havia ninguém. A moça havia sumido. Ainda
chegou a pensar que havia entrado numa casa qualquer próxima à esquina.
Certificou-se que tal não tinha acontecido, que a moça sumira mesmo.
Vinícius ficou todo arrepiado. Quis se mexer e não conseguiu. Só então
tomou consciência que estava próximo ao Cemitério de Santa Izabel.
Quando pôde se mexer, Vinícius saiu em desabalada carreira por dentro de
Canudos e, sem parar,subiu a Almirante Barroso até o Parque de
Aeronáutica.
Foi surpresa geral quando Vinícius chegou todo afobado, cansado,
gaguejando e sem conseguir dizer nada. Os poucos soldados que estavam
acordados providenciaram água com açúcar, e, depois de muito tempo,
conseguiu relatar sua história, jurando que todo aquele tempo estivera
conversando com um fantasma.
Apesar de sua expressão de pavor, alguns ficaram incrédulos.
- Só depois é que reparei que ela não virava o rosto na minha direção. Aliás, não lhe vi a face.
E era gelada, meu irmão, vou te contar. Esta mulher não era gente viva,
não era, não! Eu é que não quero acordo com estas coisas.
Trocaram com Vinícius.
- Taí, tá vendo o que dá andar querendo conquistar todo mundo? Vai nessa, vai!
Daí em diante, Vinícius, quando queria "baixar" em uma "miquimba",
olhava seu relógio. Se era tarde da noite, podia ser a mulher mais linda
do mundo, que Vinícius ficava fora da jogada...e dizia:
- Eu, hein! (http://espiritolivrerpg.rpgonline.com.br/2011/12/lendas-urbanas-de-belem-moca-sem-face.html Acessado ás 11:12 no Dia 10/11/2012)
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